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Empresas adotam canais de denúncias

Somente uma central que gerencia as reclamações recebeu 21 mil relatos em 213 companhias; queixas vão de fraudes a acusações de constrangimento

Na esteira da Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro de 2014, as empresas criaram departamentos de compliance e canais de denúncia, nos quais os funcionários, anonimamente, denunciam fraudes, atos ilícitos, assédio moral e sexual.

Na Sonda, multinacional chilena que atua na área de tecnologia e tem 16 mil funcionários, oito mil só no Brasil, o canal foi implantado em 2016. “Nosso canal é administrado pela Alto Trust, em parceria com a Deloitte. Recebemos as denúncias e conduzimos a apuração”, diz o diretor jurídico e compliance officer, Alexandre Pinheiro.

Ele diz que a média mensal é de cinco denúncias. “De assédio sexual não tivemos nenhuma até agora, mas de assédio moral sim, tanto que após as investigações já demitimos duas pessoas por justa causa.”

Pinheiro ressalta que a educação é o primeiro passo para evitar esse tipo de problema. “A alta direção está comprometida com o programa e realizamos treinamento voltado às lideranças sobre como conduzir suas equipes. E todos os funcionários recebem orientação quanto aos comportamentos que configuram assédio.”

Na locadora de carros Localiza, o canal implantado em 2012 atende, além de 7,5 mil empregados diretos, mil funcionários da rede franqueada. Gerente de auditoria interna e compliance, Fabrício Oliveira diz que as denúncias vêm aumentando.

“O momento histórico que vivemos com a Lava Jato estimulou as pessoas a denunciarem. Outro fator que encoraja a atitude é a intensa divulgação que fazemos do canal, afinal, não adianta ter a ferramenta e não incentivar o seu uso.”

Oliveira divide as denúncias entre as relacionadas a desvios comportamentais e as que envolvem fraude e conflito de interesse. “Historicamente, o volume maior está no primeiro grupo, com 55% dos relatos, sendo que o assédio moral é mais frequente que o sexual.”

Segundo ele, em 2017 foram apuradas 370 denuncias. “Quando constatamos que é procedente e existe evidencias ou provas, dependendo da gravidade, aplicamos advertência ou desligamento do colaborador.”

O gerente diz que um aspecto importante que os canais devem ter é a política de não retaliação, que garante que o denunciante não sofrerá represália.

Com 11 mil funcionários, a Duratex também tem canal de denúncias desde 2012. Das 3.729 manifestações feitas desde então, 16,67% foram relativas a assédio moral ou sexual.

“A partir de 2015, houve aumento de denúncias, reflexo do amadurecimento, da credibilidade e do alcance do canal”, avalia a gestora da ouvidoria da Duratex, Alline Tavares.

Segundo ela, quando a denúncia é procedente a empresa adota a Norma de Aplicação de Medidas Disciplinares, que possui caráter orientativo ou punitivo, dependendo da gravidade da falta cometida ou de reincidência.

“As medidas podem ser advertência verbal ou por escrito, suspensão e desligamento por justa causa. Também podemos solicitar o afastamento de colaboradores para a apuração de falta grave. O canal garante a confidencialidade das informações mesmo para aqueles que se identificam, bem como a não retaliação.”

Governança

A Jamef Transportadora tem mais de três mil funcionários e canal de denúncia ativo há um ano e quatro meses. O gerente de auditoria interna da companhia, Eduardo Silva, diz que a ferramenta permite antecipar problemas ou não agravar falhas já existentes e não detectadas.

“O canal também é muito importante para o sistema de governança da organização e para fortalecer as relações de transparência e confiança entre colaboradores, parceiros, clientes e sociedade em geral.”

A unidade brasileira da multinacional White Martins estabeleceu canal de denúncia de comportamentos antiéticos há mais tempo, em 2002. “Nosso canal é gerido de forma independente pela Navex Global”, diz o diretor jurídico e de compliance, Pedro Braga.

Ele conta que em 2017 foram registradas 393 denúncias. Dessas, 124 foram comprovadas, sendo que 31 estavam relacionadas à conduta inapropriada, que inclui assédio. “Temos 30 dias para investigar e podemos solicitar prorrogação para apurar casos mais complexos.”

Braga diz que quem faz denúncia falsa também recebe advertência e corre risco de demissão. “Também temos uma particularidade. Todos têm obrigação de reportar as violações de que tenham tido conhecimento no prazo de 48 horas.”

O canal de denúncias da petroquímica Braskem, que tem 7,7 mil funcionários, existe desde 2005, mas em maio de 2017 a empresa adotou o sistema da ICTS Outsourcing. “Até agosto deste ano, recebemos 378 relatos”, diz o responsável pela área, Luis Fernando Palaio.

Segundo ele, as denúncias são distribuídas entre três categorias: ‘caso’, quando demanda investigação; ‘reclamação’, que não exige investigação e ele resolve com a área ou com a pessoa; ou ‘relatos vinculados’, quando outra pessoa já relatou algo igual ou a mesma pessoa fez a denúncia mais de uma vez.

Para solucionar denúncia de relacionamento e comportamento de pessoas, Palaio tem apoio do RH e do jurídico. “Eles me auxiliam em situações que exigem medida disciplinar, para alinhar a ação à legislação.”

Head de gestão de riscos e compliance da Estapar, Claudio Scatena diz que a Linha Ética Estapar existe desde novembro de 2016. “Temos sete mil funcionários e até agora recebemos 500 relatos. Cerca 53 mencionavam assédio moral, mas após investigação a maior parte foi considerada improcedente.”

Scatena diz que o amadurecimento dos funcionários quanto ao uso do canal deve estabilizar o volume de denúncias.

Estudo

Levantamento da ICTS Outsourcing, que presta serviço eletrônico de canal de denúncia, aponta que o assédio moral é a principal situação que leva funcionários a utilizarem o serviço nas 213 empresas que adotam esse sistema no País.

O estudo identificou que entre 2008 e 2017 foram registrados 21.258 relatos. Desses, a apuração confirmou que 7.483 casos eram procedentes.

Sócio-diretor da ICTS, Cassiano Machado ressalta que o uso efetivo do canal evita a judicialização dos casos e traz economia às empresas. “Fizemos estudo com base em informações disponíveis no site JusBrasil, sobre indenizações pagas por dano decorrente de assédio moral, para identificar o custo médio de cada processo.”

A análise aponta que o valor médio de indenização é de R$ 17.423,00, incluindo custos advocatícios de 20%, o valor chega a R$ 20.907,60 por processo.

“Aplicando o custo médio por processo sobre o conjunto de denúncias apuradas e confirmadas entre 2008 e 2017 (7.483), que tiveram a judicialização evitada, estimamos economia de R$ 156 milhões por parte das empresas”, afirma.