Microcrédito: para girar, investir e evitar os juros altos
Como os empreendedores devem se preparar para tirar partido de uma modalidade que se tornou um refúgio ante a escalada dos juros
Um feeling para empreender, a vontade de desenvolver rapidamente um pequeno negócio e com um recurso de baixo custo. Essa é, geralmente, a história de empreendedores que tiveram uma boa experiência com o microcrédito.
E não era para ser diferente. Apesar de cada instituição financeira exigir garantias específicas, como a de um fiador para a dívida ou a participação em grupos solidários, o microcrédito é uma saída para fugir da alta dos juros. As taxas mensais variam de 0,35% a 0,40% em bancos públicos, mas podem ser de 2% a 2,2% em instituição privada.
Hoje, o pequeno empresário pode buscar essa opção tanto para fazer o capital de giro quanto um investimento produtivo.
Isso porque o destino desse recurso é acompanhado de perto pelos bancos, que conta com agentes que visitam a empresa e avaliam se o empreendedor fará bom uso do dinheiro para crescer. Esses agentes visitam o negócio antes de liberar o crédito.
“No nosso banco, o agente dá orientação financeira para o empreendedor continuar o desenvolvimento do negócio”, diz Jerônimo Ramos, superintendente de microcrédito do Santander. Segundo afirma Ramos, o correntista que pega crédito pela primeira vez precisa fazê-lo em grupo, caso de 75% da base de clientes que contratam essa modalidade pelo banco.
Quando o grupo é formado, cada um dos participantes é responsável pelo pagamento do total liberado. Assim, um depende do outro para que não haja inadimplência, que no Santander está em torno de 4% nessa modalidade, ante a média nacional de 5,3%.
Em um ano de ajustes na economia e nos juros, o microcrédito é uma linha que deve ser pesquisada com atenção por pessoas físicas empreendedoras, MEIs (Microempreendedores Individuais) e aqueles que estão no regime de tributação do Simples.
Atualmente, as instituições financeiras concedem microcrédito para quem têm o faturamento anual de até R$ 120 mil, valor que em alguns casos pode chegar a R$ 360 mil, como no Banco do Povo Paulista. A instituição, que é gerenciada pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do governo do Estado, opera o microcrédito desde 1998, período no qual já liberou R$ 1,47 bilhão em financiamentos, sendo que 52,21% foram para pequenas empresas.
Antonio Mendonça, diretor-executivo do Banco do Povo Paulista, diz que antes de procurar financiamento, o empresário deve ter clareza de quanto precisa e de qual é a capacidade de pagamento de prestações.
COMO USAR
João Carlos Natal, consultor financeiro do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo), diz que o empresário não deve ignorar essa linha. E o primeiro passo é ter relacionamento com bancos que operam o microcrédito.
De acordo com Natal, um erro frequente do pequeno empresário é abrir a conta corrente da pessoa jurídica no mesmo banco no qual movimenta os recursos de pessoa física.
“A primeira dica para quem quer ter acesso ao microcrédito é abrir a conta da empresa em banco público, para ter acesso a taxas menores, ou de 0,4% ao mês contra mais de 1% ao mês no microcrédito em instituições privadas”, afirma.
Natal reconhece que mesmo nos bancos privados a taxa é pequena, se comparada à média cobrada em outras linhas. Segundo o Banco Central, a taxa média do microcrédito para pessoa física é de 14,4% ao ano, bem menor do que a média anual dos juros no crédito pessoal, que em novembro atingia 103,7%.
Para empresas, a taxa média do microcrédito é de 6,3% ao ano, menor que a taxa média de uma linha de capital de giro, em torno de 28% ao ano em novembro.
Natal diz, porém, que o microcrédito nem sempre é uma linha disponibilizada pelos bancos, sejam públicos ou privados, para seus clientes pessoa jurídica. “O banco deixa linhas de financiamento pré-aprovadas quando a movimentação da empresa está boa. É nesta hora que o empresário precisa fazer relacionamento. Ele não deve procurar a instituição apenas quando tem dívidas”.
O consultor afirma que isso faz parte do que chama de um bom planejamento para o crédito. “O microcrédito é uma linha que deve ser acessada para gerar receita e não para tapar buraco nas despesas fixas da empresa, o que seria um erro de gestão”, afirma.
Apesar da despesa que as vendas em maquininhas de cartões proporcionam, o faturamento gerado por elas são uma garantia real para obter financiamentos nos bancos. “Aconselho a usar porque o banco consegue visualizar a movimentação do empresário e, depois, desconta do valor das vendas na máquina que ele tem a depositar. Em um momento de crédito mais restrito, é bom que o empresário tenha a documentação em ordem para contratar o crédito”, diz Natal.
OFERTA TÍMIDA
A tarefa para o empreendedor não é tão fácil, já que são poucas as instituições que operam essa linha e o volume concedido ainda é tímido se comparado com as demais modalidades de crédito para empresários e pessoas físicas.
O estudo especial Panorama do Microcrédito, elaborado pelo Banco Central, mostra que até dezembro de 2013 a carteira dessa modalidade acumulava R$ 5,3 bilhões, o que equivalia a apenas 0,2% do estoque no Sistema Financeiro Nacional (SFN).
O levantamento revela terem sido realizadas 3,1 milhões de operações de microcrédito até dezembro do ano passado, o que corresponde a 0,4% do total de financiamentos no país.
O microcrédito tem beneficiado particularmente o empreendedor pessoa física, que responde por 92,3% do total de operações. Nesse nicho, há uma característica de inclusão social, já que 80% dos beneficiados têm renda de até três salários mínimos.
Quando se fala em volume financeiro, a maior parcela do microcrédito, ou 54,1%, foram para as empresas, e isso é explicado pelo valor médio maior concedido, de R$ 2,828 para pessoa jurídica, contra R$ 1,686 para a pessoa física.
O perfil de empresa que se beneficia dessa linha de financiamento é jovem, ou seja, 62% delas têm de 1 a 4 anos de existência e 27% existem há mais de 5 anos.
O estudo mostra que 95,3% das pessoas jurídicas que utilizam o microcrédito são microempresas com faturamento anual bruto de até R$ 360 mil. Apenas 4,5% são empresas de pequeno porte (com faturamento de R$ 360 mil a R$ 3,6 milhões).
A maioria das operações, ou 52%, foi realizada na região Nordeste, e 23% no Sudeste. Na primeira região, o destaque foi o Ceará, que responde pela liberação de 13,7% do valor total. Na segunda, São Paulo lidera, com 9,9% de todo o microcrédito concedido. É o estado que tem a maior quantidade de operações, ou 17,4% do total.
O levantamento mostra que 102 instituições entre agências de fomento, bancos, cooperativas de crédito e sociedades de crédito ofertam microcrédito, mas existe uma concentração no mercado. Hoje, 90% do valor total de microcrédito é concedido por três bancos públicos: Banco do Nordeste, Banco do Brasil e Caixa.
Uma explicação para isso é que este é um produto complexo no leque das instituições. Primeiro porque exige a formação de equipes de agentes de avaliação de crédito e depois traz uma margem baixa de lucro, por causa da pequena taxa de juros.
MULHER E COMERCIANTE SÃO OS QUE MAIS USAM
“O perfil de nossos clientes no microcrédito é a mulher de diferentes ramos de atividade, mais comumente a costureira, manicure, cabeleireira, revendedora de produto de beleza. Percebemos que muitas estão no comércio e têm uma rica habilidade para tocar o negócio. É um perfil que usa muito bem o crédito”, diz Ramos, do Santander.
No Banco do Brasil, 57% dos clientes do microcrédito são mulheres. Quando são pessoas físicas exercem, principalmente, as atividades de vendedora, cabeleireira e manicure. Se já têm uma empresa, geralmente é de comércio varejista de vestuário, salão de beleza e barbearia.
E quem não foge ao perfil é Lecirene de Souza Lima Donato, de 35 anos, eleita Empreendedora do Ano pelo prêmio Citi Melhores Microempreendimentos. Um motivo que pesou fortemente para que ela fosse a vencedora foi o bom uso do microcrédito.
Lecirene, que era feirante desde 1999, viajava quase todos os dias a outras cidades para montar sua barraca de bijuterias nas feiras. Até que, em 2001, já com o segundo filho, decidiu, junto com o marido, deixar essa rotina itinerante de lado.
O casal decidiu ter um ponto de venda fixo de venda de bijuteria, acessórios e presentes na cidade em que moravam, Guanambi (BA). Lecirene, então, entrou em um grupo solidário e conseguiu o microcrédito no Banco do Nordeste para fazer o capital de giro.
“Eu era informal e isso alavancou meu crescimento. Usei o dinheiro para ter poder de barganha com fornecedores e consegui descontos de até 15% na compra de produtos. Com esta diferença consegui lucrar mais”, conta.
Lecirene diz que escolheu produtos diferenciados de seus concorrentes, um feeling que trouxe uma clientela fiel nas feiras pelas quais ela passava. Em 2004, alugou um ponto comercial e abriu uma loja, a Raio de Luz Magazine, que hoje tem quatro funcionários.
“Para fazer o giro o microcrédito foi fundamental, pois eu não tinha capital próprio para abrir um ponto”, diz. No mesmo ano, a empreendedora se formalizou pelo Simples.
Hoje, o casal tem uma segunda loja na mesma cidade, onde eles se preparam para abrir a terceira. No entanto, Lecirene só pode usar o microcrédito para a primeira loja, a uma taxa de 0,41% ao mês e pagamento em até seis meses.
“Meu marido ajudou a fazer a gestão do dinheiro do microcrédito, mas o mais importante para o meu sucesso foi eu ter tido a responsabilidade de usar esse recurso, pensando sempre que eu teria de devolvê-lo ao banco. Isso contribuiu para o nosso crescimento”, diz.