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Causa e efeito no atendimento das empresas

As discussões são muitas, a boa vontade nos corredores dos encontros é de que tudo funcione da melhor forma possível para atender o consumidor. Mas, quando chegam os números das metas nas mãos dos gerentes, todo este entusiasmo cai por terra. E a di

A reportagem exibida no domingo passado, no Fantástico, da Rede Globo, mostrou abusos trabalhistas nas empresas terceirizadas de atendimento ao cliente. Nenhuma novidade, na verdade. Os tribunais de justiça trabalhista, em todo o Brasil, estão cheios de processos com denúncias de abusos como os comentados na matéria: tempo mínimo para o uso do banheiro, críticas e deboches às pessoas que não cumprem as metas determinadas, exigências exageradas, locais de trabalho insalubres, muitas licenças médicas, entre outras. Nada disso é novo, muitas empresas já foram multadas por estas violações à lei, mas optam por continuar com estas práticas. Eu só não entendo como o empresário acha que estas pessoas maltratadas vão atender bem o seu cliente e encantá-lo. É impossível. Ninguém que se sente escravizado fala bem do seu patrão.

Muito já se discutiu em fóruns de atendimento ao cliente sobre a terceirização deste serviço pelas empresas, a qualidade do atendimento versus diminuição de custos, o uso de tecnologias virtuais para reduzir o contato do cliente com atendentes, a pasteurização do atendimento com scripts engessados versus atendimento humanizado e o empoderamento do atendente para solucionar às demandas, entre outros assuntos.

As discussões são muitas, a boa vontade nos corredores dos encontros é de que tudo funcione da melhor forma possível para atender o consumidor. Mas, quando chegam os números das metas nas mãos dos gerentes, todo este entusiasmo cai por terra. E a discussão ética e criativa vira uma tênue esperança de que um dia as coisas melhorem. 

Mas não melhoram. Na verdade, as relações trabalhistas só estão piorando. As taxas que traduzem o pleno emprego não fazem com que as empresas diminuam as cobranças. Independentemente do tipo de corporação, o que mais se ouve dos gerentes é “não deu tempo de fazer, estou cheio de demandas”; “com esta equipe não vou dar conta de entregar o trabalho, tem pouca gente”; “não tenho como exigir mais trabalho desta equipe”. 

Do outro lado do balcão, os funcionários dizem: “todo dia é uma cobrança nova e nem consegui entregar o que já me pediram”; “nunca consigo sair no horário e nem tenho como aproveitar meu banco de horas”; “nunca posso tirar folga”; “cada dia me exigem mais cursos, mas saio tão tarde do trabalho que mal consigo ficar em pé”; “para o meu chefe nunca entrego o suficiente, estou sempre em dívida”; “dou meu sangue e ninguém agradece e nem tenho promoção”. 

É muito angustiante viver assim, sempre em dívida. Os gerentes também sofrem. Alguns funcionários se acomodam, desistem de crescer, ficam na borda, numa postura do “eu só trabalho aqui”. Outros, que querem crescer, vivem com um olho no seu próprio trabalho — fazendo malabarismos e tentando cumprir todas as ordens — , e outro olho no mercado, procurando novas chances. Já a nova geração Y, que está entrando no mercado de trabalho, não se apega às empresas. 

Difícil acreditar que possa haver parceria no trabalho de gerentes e funcionários com tanto antagonismo. O que salva as empresas são as relações entre as pessoas, “na física”, como se diz. São as pessoas, com seu bom humor, sua generosidade, que trabalham ainda mais quando o colega, morto de cansaço, cai doente. São as pessoas que, querendo manter um mínimo de felicidade, começam o dia de trabalho com vontade de atender bem, apesar de conhecer as falhas da empresa. São as pessoas que, mesmo gripadas, vão trabalhar para não sobrecarregar o colega. 

No entanto, a regra é: se tem que cortar custos, mande funcionários embora. Dificilmente se pensa em rever processos internos, avaliar retrabalho, mudar gerentes autoritários e desumanos, que adoecem as pessoas e aumentam os custos. Diante deste quadro, ou de piores, como os abusos que foram exibidos na reportagem sobre os Serviços de Atendimento ao Cliente (SAC), dificilmente o funcionário veste a camisa, defende sua empresa, vê o crescimento da companhia como se fosse seu próprio crescimento.

Fico pensando: e se as empresas mudassem esta lógica? Não seria mais barato para fazer o contrário? Vender bem, sem mentiras, na hora de oferecer seu produto ou seu serviço. Pensar no melhor para o consumidor, colaborar para que a relação de consumo seja uma hora agradável e não empurrar seu produto ou serviço de qualquer jeito. Vendendo bem, o consumidor ficará satisfeito, sem dúvidas. E, recebendo a quantia a ser paga de acordo com o que foi combinado, ele terá certeza de que fez um bom negócio. Já a empresa não terá o custo de precisar de um grande SAC para atender a tantas reclamações e pedidos de esclarecimentos. E nem precisará manter uma equipe para reter o consumidor que quer abandonar esta empresa porque a venda foi ruim e o atendimento, pior ainda. 

Tenho absoluta certeza de que as empresas ganhariam muito mais se mudassem o foco, saíssem da exploração e focassem na parceria com os funcionários. Trabalhassem com metas executáveis, premiassem a boa venda, incentivassem a clareza e a honestidade. Dessem mais autonomia para o atendente resolver os problemas na primeira vez que o consumidor ligasse. Gentileza gera gentileza. Causa e efeito. Um funcionário tratado com dignidade, respeitado, incentivado, ouvido, elogiado e premiado é o melhor ativo de uma empresa e sua melhor propaganda. Um consumidor atendido por alguém que ame o seu trabalho vai perceber a diferença. Sugiro que as empresas mudem as causas trabalhistas e, acredito, terão efeitos financeiros bem compensatórios. Tentem!